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26 outubro 2023

A sua pegada digital é positiva?

 

Elisabete Maria da Silva Raposo Freire

Professora do Departamento de Informática

Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade dos Açores

elisabete.ms.freire@uac.pt

 


A sua pegada digital é positiva?

Que atire a primeira pedra quem não liga diariamente o seu smartphone (ou outro dispositivo) a uma rede da internet. Podemos estar a falar no envio de um email, o uso de uma aplicação ou uma mera pesquisa no Google. Por mais insignificante que pareça, ao navegarmos na internet deixamos um rasto da nossa atividade. A este rasto, produzido pela nossa atividade online (e mesmo off-line), chamamos pegada digital ou sombra digital (digital footprint ou digital shadow).

A pegada digital não é mais do que do que o conjunto de milhões de “indícios” gerados pela nossa atividade online. E estes “indícios” nada mais são do que dados, uma fonte de informação que determina o nosso perfil de utilizador. E como se costuma dizer, “informação é poder”. Por isso mesmo, observamos grandes companhias empenhadas no tratamento de grandes volumes de pegadas digitais, investindo em técnicas especiais para tratamento de grandes volumes de informação (Big Data). O objetivo? A produção de informação útil a vários segmentos de negócio ou, mesmo, a atividades ilegais.

Quem nunca efetuou uma busca por viagens para determinado destino ou preços de determinado equipamento e, a partir dessa altura, se viu “bombardeado” por anúncios publicitários do serviço ou bem que procurou? Isso acontece porque os anunciantes fazem uma segmentação de anúncios baseada no nosso histórico navegação. Ou seja, monitorizam toda a nossa atividade online de modo a oferecer-nos o seu produto no momento certo, que em princípio será aquele em que procuramos produtos daquele segmento e, assim, aumentarem a probabilidade de o seu anúncio resultar numa compra.

A monotorização da pegada digital de cada um de nós nestes incide tanto no rastreamento da nossa atividade como dos nossos dispositivos online. Podemos dizer que se “alimenta” de forma ativa ou passiva. Contribuímos para a nossa pegada digital ativa sempre que disponibilizamos intencionalmente informação que nos diz respeito, o que acontece quando realizamos uma partilha num blog pessoal ou participamos em sites de redes sociais e fóruns online. Outro exemplo é a partilha e publicação de fotos de determinados acontecimentos ou momentos, que  demonstram o nosso interesse ou participação nesse evento. O mesmo se diga quanto à partilha das comuns reviews sobre certos restaurantes/locais ou produtos que adquirimos.

Já a pegada digital passiva constrói-se com os dados da nossa navegação pela internet, que é registada quer tenhamos ou não conhecimento explícito sobre isso. Neste âmbito, referimo-nos a endereços IP; dados de localização geográfica aproximada, os sítios a que acedemos e a duração de cada visita; pesquisas sobre determinados termos ou os cliques que efetuámos numa página.

Estima-se que a informação pessoal identificável on-line, por indivíduo, tenha aumentado 150% nos últimos dois anos, em parte fruto do aumento do número de pessoas que recorrem à internet para trabalhar, estudar ou manter ligações sociais, devido aos constrangimentos resultantes da situação pandémica.  O que significa que neste momento a existência da pegada digital tornou-se uma inevitabilidade para a maioria das pessoas, sujeitando-as às correspondentes eventuais consequências positivas e/ou negativas.

A análise da pegada digital permite traçar o perfil de cada utilizador, perfil este que vai desde o género, zona de residência, etnia, grau de escolaridade, preferências e ideologias políticas aos passatempos e situação financeira. É incontornável a crescente influência que a respetiva “imagem digital” exerce na vida tanto dos indivíduos como das entidades e empresas. Tornou-se rotineiro que cada vez que queremos conhecer melhor uma pessoa ou entidade se recorra a umas “buscas” na Internet. Em algumas situações, ou mesmo profissões, é até fundamental manter uma pegada digital positiva. Quem irá consultar um médico ou advogado se descobrir que este possui informação “pouco abonatória” online? Ou contratar um jovem para um emprego se descobrir que este tem uma conduta nas redes sociais que denuncia abusos e comportamentos menos adequados? Por vezes o indivíduo em causa até tem um comportamento correto, mas se alguém mal-intencionado teve acesso a determinada informação ou imagem, pode manipulá-la e usá-la fora do contexto para denegrir a sua reputação.

Estando cientes da existência da nossa pegada digital, podemos minimizá-la e dedicar-lhe alguma atenção, procurando torná-la positiva, pelo menos nas dimensões que conseguimos controlar.

Por exemplo, se prezamos a nossa privacidade convém pesquisar o nosso nome com alguma regularidade no Google e em outros motores de busca. Desse modo rapidamente temos acesso à parte mais divulgada da nossa pegada digital, aquilo que qualquer pessoa pode saber facilmente (sem prejuízo, claro, da existência de outra informação disponível em redes mais restritas). Devemos analisar o conteúdo disponível e verificar se existe algum impróprio ou menos agradável e, nesse caso, procurar eliminá-lo. Se for uma publicação sua, elimine-a, se for de algum amigo peça que ele a apague.  Outras situações poderão ser mais complicadas de resolver. Poderá ter de fazer um pedido ao administrador do sítio web ou serviço onde consta a informação. Com os atuais regimes de proteção de dados pessoais (Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados-RGPD), se for um sítio web nacional ou da União Europeia, em princípio, com mais ou menos burocracias deve conseguir. Se for um site de países terceiros poderá ser complicado. Se for mesmo importante, tente e não desista.

Outra medida a adotar é a separação das contas de atividade profissional das suas contas de perfis sociais. Deve, ainda, criar uma conta de e-mail apenas para navegar e registar-se em sítios web que considere menos seguros. Subscreva apenas as contas e serviços que lhe são úteis.  Se deixar de precisar de um serviço elimine toda a sua informação nesse serviço e anule a sua subscrição.

Tenha também cuidado ao utilizar redes sem fio de locais públicos ou gratuitas que, normalmente, não implementam políticas de segurança muito firmes. O cuidado deve ser redobrado ao utilizar computadores, ou outros dispositivos, partilhados por vários utilizadores. Toda a sua informação de login e senhas pode ficar acessível a terceiros.

Nos sites que visita, limite a informação que esse site pode guardar sobre si, fazendo uma boa gestão da política de cookies.

Reveja a área de “Privacidade” das suas aplicações e software. É necessária alguma informação de registo, mas normalmente pode escolher formas menos intrusivas que as opções assinaladas por defeito.

Cada vez que pensar em publicar um conteúdo pondere bem se é essa a pessoa que quer que os outros vejam, se isso não o poderá prejudicar no futuro, se gostaria de ver isso num grande cartaz no meio da sua rua. Depois de tal ponderação, sugiro que volte a ponderar e só depois, se for o caso, publique. Porque, mesmo que o apague em pouco tempo, nada impede que alguém já o possa ter guardado e feito uma cópia dessa informação. Nada desaparece completamente no espaço online.

Todas estas indicações não são mais do que meros cuidados elementares. Se realmente tem uma vida online muito ativa, procure saber mais sobre este assunto e informe-se sobre outras formas de se proteger. Sempre com a noção de que mesmo um conteúdo dirigido a um grupo restrito, que temos como confiável, pode extravasar, de modo intencional ou não, para um público muito mais amplo. A única certeza é que, uma vez online, nada lhe pode garantir que não fique para sempre online!

A web profunda (deep web) é assim tão obscura (dark web)?


 A web profunda (deep web) é assim tão obscura (dark web)?


Elisabete Maria da Silva Raposo Freire

Professora do Departamento de Informática

Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade dos Açores

elisabete.ms.freire@uac.pt

 

A web profunda (deep web) é assim tão obscura (dark web)?

Se compararmos a Web a um icebergue, aquilo que para nós seria visível (e “navegável”) à superfície corresponderia a uma parte ínfima da sua verdadeira dimensão.

Em termos simples, o local por onde normalmente “navegamos”, a conhecida World Wide Web (WWW), constituída pelos sítios e portais indexados pelos mecanismos de busca a que recorremos diariamente, corresponderia aproximadamente a 4% do total de conteúdos existentes na rede. É a chamada surface web (web superficial). Ou então, “ a ponta do icebergue”. É neste local ínfimo que acedemos a redes sociais, jornais, notícias, páginas institucionais e empresariais, acessíveis ao público em geral.

Longe do olho do observador (ou navegador) comum, esconde-se uma enorme superfície submersa, não indexada nos motores de busca habituais, como o Google, Bing ou outros que utilizamos no dia a dia. Os conteúdos não indexados são aqueles que só podem ser encontrados por algum método específico de acesso, como é o caso dos nossos serviços de correio eletrónico, por exemplo.

É neste local profundo (deep) que nos deparamos com a web profunda, vulgarmente conhecida como deep web, à qual se atribuí uma cota estimada superior a 90% dos conteúdos.  A expressão deep web é frequentemente usada, de forma errónea, para referir a zona designada por web obscura, ou dark web, muito associada à ocorrência de atividades menos lícitas, algumas relacionadas com tráfico ilegal ou terrorismo. Mas engane-se quem assuma que esta profundidade acarrete necessariamente um cariz obscuro.

Na verdade, a deep web deverá ser encarada como os bastidores da Internet, onde se albergam as informações fundamentais à manutenção da própria rede, para além de outros dados cruciais que apesar de não acessíveis ao público em geral, são alcançáveis por quem a eles tenha acesso, por endereço e credenciais autorizadas. 

Embora não esteja indexada pelos motores de busca e nem todas as áreas estejam acessíveis ao público, poderemos sempre aceder às partes que nos digam respeito, ou que nos interessam, mediante o uso das credenciais que nos forem atribuídas para o efeito, bastando, para isso, o acesso um navegador de internet comum.

Na sua maioria, a deep web é composta por páginas e bases de dados de organizações que se destinam a um grupo restrito de pessoas. Para ter acesso é preciso ter informação sobre o seu endereço exato (URL - Uniform Resource Locator), assim como dados de utilizador válidos. Lá albergam-se as redes privadas das empresas (intranets), informação dos registos académicos dos estabelecimentos de ensino, documentos e recursos governamentais, dados médicos ou os registos de transações financeiras.  É aí que fazemos, por exemplo, as nossas operações bancárias ou a gestão da nossa situação fiscal.

Desta grande percentagem correspondente à web “escondida”, estima-se que apenas 6% dos conteúdos constituam a web obscura, ou dark web, conhecida pela sua relação com atividades ilícitas e/ou criminosas. O seu acesso é restrito e disponível apenas para utilizadores que usam ferramentas específicas, como por exemplo o navegador (browser) Tor - The Onion Router, o roteador cebola, numa alusão às múltiplas camadas da cebola como as múltiplas camadas de codificação que usa. O acesso e utilização desta zona da web pressupõem um conhecimento e perícia informática acima da média.

Efetivamente, trata-se de uma área da Internet que não é regulada e onde as mensagens são criptografadas e usam rotas propositadamente “complicadas” para impedir (ou pelo menos dificultar) que se identifique a origem e o destino da mensagem. O objetivo? O anonimato dos envolvidos, claro. Pelo que não é surpreendente que seja frequentemente associada a práticas ilegais. Saliento, não é propriamente uma zona onde se deva entrar, ou permitir que os nossos filhos entrem, de ânimo leve, pois a sua utilização envolve grandes riscos para os utilizadores menos experientes e menos cautelosos. Contudo, a maioria dos mais de dois milhões de utilizadores diários do Tor usam o navegador para atividades completamente legais. Isto porque a inexistência de controlo ou censura torna-a um meio apelativo para a liberdade de expressão, à margem do controlo das grandes empresas ou, até mesmo, de um país onde a liberdade de expressão e a circulação de informação seja censurada e/ou filtrada pelo poder político.

Com a possibilidade do anonimato, ocultação da localização do utilizador e a garantia da confidencialidade das mensagens trocadas, a dark web tem-se revelado um importante aliado na proteção da privacidade e liberdade de expressão de ativistas e jornalistas. O que, num primeiro momento, pode até parecer trivial para os residentes em países democráticos com tolerância pela liberdade de expressão, consiste, na verdade, numa mais-valia para as populações de países sujeitos a regimes opressivos, possibilitando o contacto com a realidade exterior e obtenção informação não censurada. A dark web constitui, também, uma importante ferramenta de trabalho de investigação para entidades policiais e de combate ao crime.

Aqui chegados, não podíamos deixar de referir que, atendendo à conjetura conturbada que atravessamos, estes atributos e características tornam o recurso à dark web um instrumento útil para comunicações em tempo de guerra.

Efetivamente, o início do desenvolvimento do Tor, em meados dos anos 90, foi feito por investigadores americanos em parceria com o Laboratório de Pesquisa Naval dos Estados Unidos, com o objetivo de proteger as comunicações on-line dos serviços secretos dos EUA e ter uma forma segura e anónima de “esconder” assuntos sigilosos na rede. Posteriormente, juntou-se ao seu desenvolvimento a Agência de Projetos de Pesquisa Avançada de Defesa norte-americana, DARPA - Defense Advanced Research Projects Agency. O projeto Tor, responsável pelo desenvolvimento do navegador Tor, continua a sua atividade nos dias de hoje, e tem vindo a empenhar-se em objetivos impulsionadores dos direitos, liberdades e garantias humanitárias, criando e implementando tecnologias de anonimato e privacidade gratuitas e abertas.

Por todas essas razões, dark web sim, mas com cautela.

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