A web profunda (deep web) é assim tão obscura (dark web)?
Elisabete Maria da Silva
Raposo Freire
Professora do
Departamento de Informática
Faculdade de Ciências e
Tecnologia da Universidade dos Açores
A web profunda (deep
web) é assim tão obscura (dark web)?
Se
compararmos a Web a um icebergue, aquilo que para nós seria visível (e
“navegável”) à superfície corresponderia a uma parte ínfima da sua verdadeira
dimensão.
Em
termos simples, o local por onde normalmente “navegamos”, a conhecida World
Wide Web (WWW), constituída pelos sítios e portais indexados pelos mecanismos
de busca a que recorremos diariamente, corresponderia aproximadamente a 4% do
total de conteúdos existentes na rede. É a chamada surface web (web
superficial). Ou então, “ a ponta do icebergue”. É neste local ínfimo que
acedemos a redes sociais, jornais, notícias, páginas institucionais e
empresariais, acessíveis ao público em geral.
Longe
do olho do observador (ou navegador) comum, esconde-se uma enorme superfície
submersa, não indexada nos motores de busca habituais, como o Google, Bing ou
outros que utilizamos no dia a dia. Os conteúdos não indexados são aqueles que
só podem ser encontrados por algum método específico de acesso, como é o caso
dos nossos serviços de correio eletrónico, por exemplo.
É
neste local profundo (deep) que nos deparamos com a web profunda,
vulgarmente conhecida como deep web, à qual se atribuí uma cota estimada
superior a 90% dos conteúdos. A
expressão deep web é frequentemente usada, de forma errónea, para
referir a zona designada por web obscura, ou dark web, muito associada à
ocorrência de atividades menos lícitas, algumas relacionadas com tráfico ilegal
ou terrorismo. Mas engane-se quem assuma que esta profundidade acarrete
necessariamente um cariz obscuro.
Na
verdade, a deep web deverá ser encarada como os bastidores da Internet,
onde se albergam as informações fundamentais à manutenção da própria rede, para
além de outros dados cruciais que apesar de não acessíveis ao público em geral,
são alcançáveis por quem a eles tenha acesso, por endereço e credenciais
autorizadas.
Embora
não esteja indexada pelos motores de busca e nem todas as áreas estejam
acessíveis ao público, poderemos sempre aceder às partes que nos digam
respeito, ou que nos interessam, mediante o uso das credenciais que nos forem
atribuídas para o efeito, bastando, para isso, o acesso um navegador de
internet comum.
Na
sua maioria, a deep web é composta por páginas e bases de
dados de organizações que se destinam a um grupo restrito de pessoas. Para ter
acesso é preciso ter informação sobre o seu endereço exato (URL - Uniform
Resource Locator), assim como dados de utilizador válidos. Lá albergam-se
as redes privadas das empresas (intranets), informação dos registos académicos
dos estabelecimentos de ensino, documentos e recursos governamentais, dados
médicos ou os registos de transações financeiras. É aí que fazemos,
por exemplo, as nossas operações bancárias ou a gestão da nossa situação
fiscal.
Desta
grande percentagem correspondente à web “escondida”, estima-se que apenas 6%
dos conteúdos constituam a web obscura, ou dark web, conhecida pela
sua relação com atividades ilícitas e/ou criminosas. O seu acesso é restrito e
disponível apenas para utilizadores que usam ferramentas específicas, como por
exemplo o navegador (browser) Tor - The Onion Router, o roteador cebola,
numa alusão às múltiplas camadas da cebola como as múltiplas camadas de codificação
que usa. O acesso e utilização desta zona da web pressupõem um conhecimento e
perícia informática acima da média.
Efetivamente,
trata-se de uma área da Internet que não é regulada e onde as mensagens são criptografadas
e usam rotas propositadamente “complicadas” para impedir (ou pelo menos
dificultar) que se identifique a origem e o destino da mensagem. O objetivo? O
anonimato dos envolvidos, claro. Pelo que não é surpreendente que seja
frequentemente associada a práticas ilegais. Saliento, não é propriamente uma
zona onde se deva entrar, ou permitir que os nossos filhos entrem, de ânimo
leve, pois a sua utilização envolve grandes riscos para os utilizadores menos
experientes e menos cautelosos. Contudo, a maioria dos mais de dois milhões de
utilizadores diários do Tor usam o navegador para atividades completamente
legais. Isto porque a inexistência de controlo ou censura torna-a um meio
apelativo para a liberdade de expressão, à margem do controlo das grandes
empresas ou, até mesmo, de um país onde a liberdade de expressão e a circulação
de informação seja censurada e/ou filtrada pelo poder político.
Com
a possibilidade do anonimato, ocultação da localização do utilizador e a
garantia da confidencialidade das mensagens trocadas, a dark web tem-se
revelado um importante aliado na proteção da privacidade e liberdade de
expressão de ativistas e jornalistas. O que, num primeiro momento, pode até
parecer trivial para os residentes em países democráticos com tolerância pela
liberdade de expressão, consiste, na verdade, numa mais-valia para as
populações de países sujeitos a regimes opressivos, possibilitando o contacto
com a realidade exterior e obtenção informação não censurada. A dark
web constitui, também, uma importante ferramenta de trabalho de
investigação para entidades policiais e de combate ao crime.
Aqui
chegados, não podíamos deixar de referir que, atendendo à conjetura conturbada
que atravessamos, estes atributos e características tornam o recurso à dark
web um instrumento útil para comunicações em tempo de guerra.
Efetivamente,
o início do desenvolvimento do Tor, em meados dos anos 90, foi feito por
investigadores americanos em parceria com o Laboratório de Pesquisa Naval dos
Estados Unidos, com o objetivo de proteger as comunicações on-line dos serviços
secretos dos EUA e ter uma forma segura e anónima de “esconder” assuntos
sigilosos na rede. Posteriormente, juntou-se ao seu desenvolvimento a Agência
de Projetos de Pesquisa Avançada de Defesa norte-americana, DARPA - Defense
Advanced Research Projects Agency. O projeto Tor, responsável pelo
desenvolvimento do navegador Tor, continua a sua atividade nos dias de hoje, e
tem vindo a empenhar-se em objetivos impulsionadores dos direitos, liberdades e
garantias humanitárias, criando e implementando tecnologias de anonimato e
privacidade gratuitas e abertas.
Por
todas essas razões, dark web sim, mas com cautela.