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26 outubro 2023

A web profunda (deep web) é assim tão obscura (dark web)?


 A web profunda (deep web) é assim tão obscura (dark web)?


Elisabete Maria da Silva Raposo Freire

Professora do Departamento de Informática

Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade dos Açores

elisabete.ms.freire@uac.pt

 

A web profunda (deep web) é assim tão obscura (dark web)?

Se compararmos a Web a um icebergue, aquilo que para nós seria visível (e “navegável”) à superfície corresponderia a uma parte ínfima da sua verdadeira dimensão.

Em termos simples, o local por onde normalmente “navegamos”, a conhecida World Wide Web (WWW), constituída pelos sítios e portais indexados pelos mecanismos de busca a que recorremos diariamente, corresponderia aproximadamente a 4% do total de conteúdos existentes na rede. É a chamada surface web (web superficial). Ou então, “ a ponta do icebergue”. É neste local ínfimo que acedemos a redes sociais, jornais, notícias, páginas institucionais e empresariais, acessíveis ao público em geral.

Longe do olho do observador (ou navegador) comum, esconde-se uma enorme superfície submersa, não indexada nos motores de busca habituais, como o Google, Bing ou outros que utilizamos no dia a dia. Os conteúdos não indexados são aqueles que só podem ser encontrados por algum método específico de acesso, como é o caso dos nossos serviços de correio eletrónico, por exemplo.

É neste local profundo (deep) que nos deparamos com a web profunda, vulgarmente conhecida como deep web, à qual se atribuí uma cota estimada superior a 90% dos conteúdos.  A expressão deep web é frequentemente usada, de forma errónea, para referir a zona designada por web obscura, ou dark web, muito associada à ocorrência de atividades menos lícitas, algumas relacionadas com tráfico ilegal ou terrorismo. Mas engane-se quem assuma que esta profundidade acarrete necessariamente um cariz obscuro.

Na verdade, a deep web deverá ser encarada como os bastidores da Internet, onde se albergam as informações fundamentais à manutenção da própria rede, para além de outros dados cruciais que apesar de não acessíveis ao público em geral, são alcançáveis por quem a eles tenha acesso, por endereço e credenciais autorizadas. 

Embora não esteja indexada pelos motores de busca e nem todas as áreas estejam acessíveis ao público, poderemos sempre aceder às partes que nos digam respeito, ou que nos interessam, mediante o uso das credenciais que nos forem atribuídas para o efeito, bastando, para isso, o acesso um navegador de internet comum.

Na sua maioria, a deep web é composta por páginas e bases de dados de organizações que se destinam a um grupo restrito de pessoas. Para ter acesso é preciso ter informação sobre o seu endereço exato (URL - Uniform Resource Locator), assim como dados de utilizador válidos. Lá albergam-se as redes privadas das empresas (intranets), informação dos registos académicos dos estabelecimentos de ensino, documentos e recursos governamentais, dados médicos ou os registos de transações financeiras.  É aí que fazemos, por exemplo, as nossas operações bancárias ou a gestão da nossa situação fiscal.

Desta grande percentagem correspondente à web “escondida”, estima-se que apenas 6% dos conteúdos constituam a web obscura, ou dark web, conhecida pela sua relação com atividades ilícitas e/ou criminosas. O seu acesso é restrito e disponível apenas para utilizadores que usam ferramentas específicas, como por exemplo o navegador (browser) Tor - The Onion Router, o roteador cebola, numa alusão às múltiplas camadas da cebola como as múltiplas camadas de codificação que usa. O acesso e utilização desta zona da web pressupõem um conhecimento e perícia informática acima da média.

Efetivamente, trata-se de uma área da Internet que não é regulada e onde as mensagens são criptografadas e usam rotas propositadamente “complicadas” para impedir (ou pelo menos dificultar) que se identifique a origem e o destino da mensagem. O objetivo? O anonimato dos envolvidos, claro. Pelo que não é surpreendente que seja frequentemente associada a práticas ilegais. Saliento, não é propriamente uma zona onde se deva entrar, ou permitir que os nossos filhos entrem, de ânimo leve, pois a sua utilização envolve grandes riscos para os utilizadores menos experientes e menos cautelosos. Contudo, a maioria dos mais de dois milhões de utilizadores diários do Tor usam o navegador para atividades completamente legais. Isto porque a inexistência de controlo ou censura torna-a um meio apelativo para a liberdade de expressão, à margem do controlo das grandes empresas ou, até mesmo, de um país onde a liberdade de expressão e a circulação de informação seja censurada e/ou filtrada pelo poder político.

Com a possibilidade do anonimato, ocultação da localização do utilizador e a garantia da confidencialidade das mensagens trocadas, a dark web tem-se revelado um importante aliado na proteção da privacidade e liberdade de expressão de ativistas e jornalistas. O que, num primeiro momento, pode até parecer trivial para os residentes em países democráticos com tolerância pela liberdade de expressão, consiste, na verdade, numa mais-valia para as populações de países sujeitos a regimes opressivos, possibilitando o contacto com a realidade exterior e obtenção informação não censurada. A dark web constitui, também, uma importante ferramenta de trabalho de investigação para entidades policiais e de combate ao crime.

Aqui chegados, não podíamos deixar de referir que, atendendo à conjetura conturbada que atravessamos, estes atributos e características tornam o recurso à dark web um instrumento útil para comunicações em tempo de guerra.

Efetivamente, o início do desenvolvimento do Tor, em meados dos anos 90, foi feito por investigadores americanos em parceria com o Laboratório de Pesquisa Naval dos Estados Unidos, com o objetivo de proteger as comunicações on-line dos serviços secretos dos EUA e ter uma forma segura e anónima de “esconder” assuntos sigilosos na rede. Posteriormente, juntou-se ao seu desenvolvimento a Agência de Projetos de Pesquisa Avançada de Defesa norte-americana, DARPA - Defense Advanced Research Projects Agency. O projeto Tor, responsável pelo desenvolvimento do navegador Tor, continua a sua atividade nos dias de hoje, e tem vindo a empenhar-se em objetivos impulsionadores dos direitos, liberdades e garantias humanitárias, criando e implementando tecnologias de anonimato e privacidade gratuitas e abertas.

Por todas essas razões, dark web sim, mas com cautela.

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