Elisabete
Maria da Silva Raposo Freire
Professora
do Departamento de Informática
Faculdade
de Ciências e Tecnologia da Universidade dos Açores
A sua pegada digital é positiva?
Que atire
a primeira pedra quem não liga diariamente o seu smartphone (ou outro
dispositivo) a uma rede da internet. Podemos estar a falar no envio de um
email, o uso de uma aplicação ou uma mera pesquisa no Google. Por mais
insignificante que pareça, ao navegarmos
na internet deixamos um rasto da nossa atividade. A este rasto, produzido pela
nossa atividade online (e mesmo off-line), chamamos pegada
digital ou sombra digital (digital footprint ou digital shadow).
A pegada digital não é mais do que
do que o conjunto de milhões de “indícios” gerados pela nossa atividade online.
E estes “indícios” nada mais são do que dados, uma fonte de informação que
determina o nosso perfil de utilizador. E como se costuma dizer, “informação é
poder”. Por isso mesmo, observamos grandes companhias empenhadas no tratamento
de grandes volumes de pegadas digitais, investindo em técnicas especiais para tratamento
de grandes volumes de informação (Big Data). O objetivo? A produção de informação
útil a vários segmentos de negócio ou, mesmo, a atividades ilegais.
Quem nunca efetuou uma busca por
viagens para determinado destino ou preços de determinado equipamento e, a
partir dessa altura, se viu “bombardeado” por anúncios publicitários do serviço
ou bem que procurou? Isso acontece porque os anunciantes fazem uma segmentação
de anúncios baseada no nosso histórico navegação. Ou seja, monitorizam toda a
nossa atividade online de modo a oferecer-nos o seu produto no momento
certo, que em princípio será aquele em que procuramos produtos daquele segmento
e, assim, aumentarem a probabilidade de o seu anúncio resultar numa compra.
A monotorização da
pegada digital de cada um de nós nestes incide tanto no rastreamento da nossa
atividade como dos nossos dispositivos online. Podemos dizer que se
“alimenta” de forma ativa ou passiva. Contribuímos para a nossa pegada digital
ativa sempre que disponibilizamos intencionalmente informação que nos diz
respeito, o que acontece quando realizamos uma partilha num blog pessoal
ou participamos em sites de redes sociais e fóruns online. Outro exemplo
é a partilha e publicação de fotos de determinados acontecimentos ou momentos, que demonstram o nosso interesse ou participação nesse
evento. O mesmo se diga quanto à partilha das comuns reviews sobre
certos restaurantes/locais ou produtos que adquirimos.
Já a pegada digital passiva constrói-se
com os dados da nossa navegação pela internet, que é registada quer tenhamos ou
não conhecimento explícito sobre isso. Neste âmbito, referimo-nos a endereços
IP; dados de localização geográfica aproximada, os sítios a que acedemos e a
duração de cada visita; pesquisas sobre determinados termos ou os cliques que efetuámos
numa página.
Estima-se que a informação pessoal
identificável on-line, por indivíduo, tenha aumentado 150% nos últimos
dois anos, em parte fruto do aumento do número de pessoas que recorrem à internet
para trabalhar, estudar ou manter ligações sociais, devido aos constrangimentos
resultantes da situação pandémica. O que
significa que neste momento a existência da pegada digital tornou-se uma
inevitabilidade para a maioria das pessoas, sujeitando-as às correspondentes
eventuais consequências positivas e/ou negativas.
A análise da pegada digital permite
traçar o perfil de cada utilizador, perfil este que vai desde o género, zona de
residência, etnia, grau de escolaridade, preferências e ideologias políticas
aos passatempos e situação financeira. É incontornável a crescente influência que
a respetiva “imagem digital” exerce na vida tanto dos indivíduos como das
entidades e empresas. Tornou-se rotineiro que cada vez que queremos conhecer
melhor uma pessoa ou entidade se recorra a umas “buscas” na Internet. Em
algumas situações, ou mesmo profissões, é até fundamental manter uma pegada
digital positiva. Quem irá consultar um médico ou advogado se descobrir que
este possui informação “pouco abonatória” online? Ou contratar um jovem
para um emprego se descobrir que este tem uma conduta nas redes sociais que
denuncia abusos e comportamentos menos adequados? Por vezes o indivíduo em
causa até tem um comportamento correto, mas se alguém mal-intencionado teve acesso
a determinada informação ou imagem, pode manipulá-la e usá-la fora do contexto
para denegrir a sua reputação.
Estando cientes da existência da
nossa pegada digital, podemos minimizá-la e dedicar-lhe alguma atenção,
procurando torná-la positiva, pelo menos nas dimensões que conseguimos
controlar.
Por exemplo, se prezamos a nossa
privacidade convém pesquisar o nosso nome com alguma regularidade no Google e
em outros motores de busca. Desse modo rapidamente temos acesso à parte mais
divulgada da nossa pegada digital, aquilo que qualquer pessoa pode saber
facilmente (sem prejuízo, claro, da existência de outra informação disponível em
redes mais restritas). Devemos analisar o conteúdo disponível e verificar se
existe algum impróprio ou menos agradável e, nesse caso, procurar eliminá-lo.
Se for uma publicação sua, elimine-a, se for de algum amigo peça que ele a
apague. Outras situações poderão ser
mais complicadas de resolver. Poderá ter de fazer um pedido ao administrador do
sítio web ou serviço onde consta a informação. Com os atuais regimes de
proteção de dados pessoais (Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados-RGPD),
se for um sítio web nacional ou da União Europeia, em princípio, com mais ou
menos burocracias deve conseguir. Se for um site de países terceiros poderá ser
complicado. Se for mesmo importante, tente e não desista.
Outra medida a adotar é a separação
das contas de atividade profissional das suas contas de perfis sociais. Deve, ainda,
criar uma conta de e-mail apenas para navegar e registar-se em sítios
web que considere menos
seguros. Subscreva apenas as contas e serviços que lhe são úteis. Se deixar de precisar de um serviço elimine
toda a sua informação nesse serviço e anule a sua subscrição.
Tenha também cuidado ao utilizar
redes sem fio de locais públicos ou gratuitas que, normalmente, não implementam
políticas de segurança muito firmes. O cuidado deve ser redobrado ao utilizar
computadores, ou outros dispositivos, partilhados por vários utilizadores. Toda
a sua informação de login e senhas pode ficar acessível a terceiros.
Nos sites que visita, limite a
informação que esse site pode guardar sobre si, fazendo uma boa gestão da
política de cookies.
Reveja a área de “Privacidade” das
suas aplicações e software. É necessária alguma informação de registo, mas
normalmente pode escolher formas menos intrusivas que as opções assinaladas por
defeito.
Cada vez que pensar em publicar um
conteúdo pondere bem se é essa a pessoa que quer que os outros vejam, se isso
não o poderá prejudicar no futuro, se gostaria de ver isso num grande cartaz no
meio da sua rua. Depois de tal ponderação, sugiro que volte a ponderar e só depois,
se for o caso, publique. Porque, mesmo que o apague em pouco tempo, nada impede
que alguém já o possa ter guardado e feito uma cópia dessa informação. Nada
desaparece completamente no espaço online.
Todas estas indicações não são mais
do que meros cuidados elementares. Se realmente tem uma vida online
muito ativa, procure saber mais sobre este assunto e informe-se sobre outras
formas de se proteger. Sempre com a noção de que mesmo um conteúdo dirigido a
um grupo restrito, que temos como confiável, pode extravasar, de modo
intencional ou não, para um público muito mais amplo. A única certeza é que,
uma vez online, nada lhe pode garantir que não fique para sempre online!